sábado, 12 de outubro de 2024

Fazendo um traje Renascentista: Parte II - Vestido


vestido renascimento italiano

    Meu principal projeto de costura histórica de 2024 foi fazer um traje renascentista completo para o II Picnic de Costura histérica, que aconteceu em agosto desse ano. Eu já falei das roupas de baixo anteriormente aqui no blog, então agora vou escrever só sobre o vestido externo. Então acompanhe a seguir como foi o precesso de pesquisa e confecção desse traje, vamos lá?

Modelo e referências 

vestido renascentista eleonora di toledo

    Minha principal ideia nesse traje era representar a vestimenta de uma mulher de classe alta que morava em Pisa - na região da Toscana na Itália - em meados de 1550 - 1560. Quando falamos em renascimento é importante delimitar um recorte geográfico, pois cada região desenvolveu um estilo bem específico. Como referência para o meu vestido, eu utilizei duas referências principais: uma é o vestido de sepultamento da Eleonora di Toledo, de 1562, e  a outra é o vestido do Museu de Pisa, também de 1560s. 

eleonora di toledo e maria di médici

    Outras referência que utilizei, mas para alguns detalhes foram um quadro da Maria di Médici de 1555-7, e outro da Eleonora di Toledo, de 1549. No fim desenhei o meu próprio modelo, sem me ater a fazer uma reprodução exata de alguma dessas referências. 

Molde e corte

molde saia renascentista

corte saia renascentista

    Para a parte da saia, utilizei o estudo da modelagem da saia do vestido de Pisa feito por Katerina da Brescia, adaptando as proporções para as minhas medidas. Eu tracei o molde diretamente no tecido, e como meu tecido tinha o dobro de largura do tecido da época, 'economizei' alguns recortes. 

molde vestido renascentista

    Para a parte de cima do vestido tracei o molde do zero nas minhas medidas, tendo como referência o molde da Janet Arnold no Patterns of Fashion. 

corpete renascentista

    Eu fiz um teste de modelagem no tricoline, provando por cima dos stays e kirtle (veja processo de confecção dessas peças aqui) e fiz alguns poucos ajustes. 

molde vestido renascentista

    As mangas fiz de forma parecida, mas também usando o estudo da Katerina como referência. Minha intenção era unir elas ao vestido usando botões, como no quadro da Maria di Médici. De tecido principal usei um veludo de decoração, e para decorar usei passamanarias metalizadas. 

Costura e acabamentos

Saia

saia renascentista parte I

    Comecei a costura pela saia, unindo os paineis com uma costura reta, e sem dar acabamento nas bordas do tecido, como era comum de se fazer na época já que veludo não costumava desfiar tanto. Após passar todas as costuras abertas, fiz a aplicação do feltro na barra de uma forma diferente como seria feito na época, mas ainda mantendo a mesma estrutura e caimento. Depois disso, apliquei as passamarias, disfarçando as costuras feitas à máquina. 

saia renascentista parte II

    Para a cintura eu franzi a parte de cima de forma comum, e deixei duas aberturas, que foram finalizadas com um revel à mão. Não era comum aplicar vista nessas aberturas, e segui isso também. Nesse traje fui utilizando técnicas mistas, onde as costuras mais visíveis seriam à mão, mas o que não apareceria foi feito na máquina. 

Corpete

corpete renascentista parte I

    Para o corpete, eu primeiro fiz a estrutura da parte externa, utilizando uma sarja no lugar do buckram que seria usado na época. Para prender os dois tecidos temporáriamente utilizei um alinhavo de alfaite, e depois costurei as bordas do veludo na sarja por dentro à mão, pegando apenas o tecido interno. 

corpete renascentista parte II

    Depois disso costurei as passamanarias, e então uni o corpete no vestido com alguns pontos à mão pela parte externa. Com essa parte pronta fiz e costurei as alças dos botões.Por último, alfinetei e costurei o forro, também com pontos à mão pra não aparecer do lado de fora da peça. Para fechar, bordei os ilhóses, alinhados de forma espiralada como seria feito historicamente, e preguei colchete nas alças para fechar. 

Mangas

mangas vestido renascentista parte I

    Nas mangas eu comecei fazendo as marcações de onde iria a passamanaria e os recortes. Os recortes eu tentei várias técnicas antes em retalhos, e pra mim o que deu mais certo foi dobrar ao meio e cortar com a tesoura mesmo. Em seguida costurei as passamanarias verticalmente.

mangas vestido renascentista parte II

    A parte de cima eu costurei faixas de veludo com a passamanaria por cima, embaixo finalizei aplicando mais uma faixa cobrindo as bordas, e em cima eu apliquei um revel. As bordas dos tecidos também foram deixadas sem finalização na parte de dentro. Como fechamento, em cima coloquei os botões, e nos punhos o fecho é com alça de linha. 

Resultado:

vestido renascentista
Fotos por Larissa Lopes

    De acessórios, o que usei foram brincos de pérolas da La Duchese, uma tiara que fiz aplicando passamanaria e pérolas, e a rede de cabelo minha mãe fez em crochê, utilizando um soutache metalizado. 

vestido renascentista
Foto por Larissa Lopes (esquerda) e Zero (direita)

    E cara, modéstia a parte, eu AMEI o resultado! Já fazia muito tempo que eu queria um traje renascentista e me senti realizada, de verdade. Foi um dos trajes mais demorados que já fiz pra mim mesma, e achei que valeu super a pena. Com certeza pretendo explorar mais estilos do renascimento no futuro.  

Referências: 

A History of Costume, Carl Kholer
Patterns of fashion - The cut and Construction of clothes for men and women c1560-1620, Jannet Arnold
The Tudor Tailor, Jane Malcom-Davies 

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Fazendo um traje renascentista: Parte I - Roupas de baixo


    Um traje histórico se constrói de dentro pra fora, pois são as peças que vão embaixo de um vestido que ainda que não sejam vistas, trazem os volumes, estruturam o corpo, criam uma silhueta. O meu último projeto de costura histórica foi um traje renascentista, e minha persona para essa recriação era uma mulher de classe alta, que morava em Pisa, na região da Toscana na Itália, em meados de 1550 - 1560. Foi esse o recorte que utilizei na minha pesquisa para confeccionar as peças, e você pode conferir todo esse processo logo abaixo. 

Camicia

Exemplos de Camicias do renascimento

    As camicias - também chamadas de Smocks -  do século XVI geralmente eram feitas em linho, com as costuras reforçadas e embutidas. No recorte que eu escolhi, da segunda metade do século em Toscana, os decotes eram mais baixos e a modelagem em evasê, com a utilização de nesgas nas lateriais. A renda de agulha foi muito desenvolvida na Italia e quis trazer detalhes que remetessem a isso. Minha principal referência de modelos e medidas foi esse exemplo exposto no Museu Museo del Tessuto, a camisa do meio na imagem acima, mas eu quis fazer ela menos volumosa no corpo, como os outros exemplos.

Molde e corte:

Molde de camicia renascentista

    O molde da camicia é composto de formas geométricas, basicamente. Eu planejei as medidas que utilizaria em um papel, e marquei o molde diretamente no tecido. Vou deixar aqui de exemplo meu plano de corte, mas aviso que precisei ajustar alguns pontos depois de cortar. O decote eu preferi deixar ele inicialmente mais alto e fechado, e abrir depois conforme eu sentisse necessidade na prova. 

Confecção: 

Passos da costura da camicia renascentista

    Como tecido principal utilizei vicose, por ter caimento e toque semelhante a um linho fino. Eu resolvi costurar na máquina, utilizando costura francesa como acabamento, para que ficasse reforçado e ainda fosse uma peça rápida de fazer. Comecei unindo os ombros, e logo em seguida finalizei a gola com uma barra de lenço. 

Passos da costura da camicia renascentista

    Apliquei as mangas já franzidas, e então os quadradinhos das axilas e as laterais. Em seguida fechei as laterais, do corpo e das mangas também. Por ultimo apliquei os punhos e fiz a barra na parte inferior. Para enfeitar, apliquei renda de algodão na gola - onde também passei uma fita de cetim para ajustar -  e nos punhos, que são fechados por botões de pérolas e cordões feitos na agulha com linha de pesponto.  

Resultado final:

chemise renascentista por juliana lopes

    Gostei bastante do resultado final! Acredito que eu poderia ter feito as mangas ainda mais volumosas considerando os detalhes da manga do vestido que iria por cima, mas ainda assim o resultado que alcancei foi bem plausível pra época. Ainda estou pensando se futuramente acrescento bordados ou não.  

Stays

stays elizabetanos

    Não existem muitos exemplos de stays desse período sobreviventes nos museus, então me baseei basicamente nesse modelo de 1598 que foi utilizado por Sabina na Alemanha. A peça original foi feita em seda, com duas camadas de linho e forrado. Nas bordas foram aplicadas fitas também de seda. Nas caneletas haviam barbatanas de baleia. 

    Ele é um pouco posterior às outras referências que estou utilizando, mas ainda assim acredito que fez sentido utilizar nesse traje, já que ter um stays significava que eu não precisaria estruturar tanto as peças que iriam por cima. O stays também não era uma peça tão comum na Itália, sendo utilizado mais por mulheres de classes mais altas, o que também se encaixava com o que eu estava buscando representar. 

Molde e corte:

molde stays renascentista

    Eu tracei o molde dos stays do zero nas minhas medidas, tendo como referência a modelagem disponibilizada no Patterns of Fashion. Antes de cortar as peças no tecido final fiz um teste de modelagem com outro tecido. 

Confecção: 

costura stays renascentista I

    Eu utilizei tafetá sintético na camada exterior,entretela termocolante, sarja como camada intermediária e tricoline de algodão de forro. E para decorar, fitas de gorgurão. A união dos paineis e costura das canaletas foram feitas na máquina, enquanto a aplicação das fitas e abas foram feitas à mão. Para economizar tempo, utilizei ilhóses de metal. 

costura stays renascentista I

    Na região do busto coloquei uma camada de lona; não encontrei evidências de que essa era uma prática comum, mas me pareceu fazer sentido para que a área pudesse ter o suporte adequado pros seios. Para substituir as barbatanas de baleia, utilizei barbatanas sintéticas reforçadas, que aparentam ter uma rigidez semelhante com o que seria utilizado. Para preencher a canaleta do busk, utilizei algumas camadas de plástico que tinha por aqui. 

    Se quiser saber mais sobre a construção dos strays, eu gravei um vídeo curto mostrando, você pode visualizar no TikTok ou Instagram

Resultado final: 

stays por juliana lopes

    Fiquei bem satisfeita com o resultado! Infelizmente coloquei um ilhós a mais sem perceber porque eu estava consultando duas fontes diferentes para posicioná-los e me confundi, mas nada que atrapalhe o uso. Acho que acertei bem a modelagem e caimento, que traz esse aspecto cônico comum na era elizabetana. 

Kirtle

Sotanna Renascentista

    Essa peça era chamada de Sotanna na Itália, e o modelo contemporâneo à época que eu estava reproduzindo possuia o tronco bem estruturado, e uma saia pregueada em paineis retangulares. A referência que utilizei também era da região de Pisa, de meados do século XVI

Molde e corte: 

molde kirtle renascentista

    Tracei o molde do corpo nas minhas medidas, já utilizando o stays. Escolhi deixar a abertura na parte de trás, e para a saia utilizei um retângulo mesmo, com 3m de largura, que seria adequado de acordo com as pesquisas que encontrei. Escolhi um decote mais baixo para que não ficasse aparecendo por baixo do vestido externo.

Confecção: 

costura kirtle

    Utilizei sarja de algodão como tecido principal, lona de algodão pra estruturar (substituindo o buckram), e tricoline para o forro. Dessa vez os ilhóses também foram de metal. Comecei unindo os paineis do tronco, e logo em seguida pespontei as bordas do tecido externo por cima da lona, para prendê-la. A saia eu comecei fazendo a barra enquanto já aplicava o feltro na borda, como no modelo original. Fiz as pregas na cintura e então uni corpete e saia, com pesponto. Internamente, prendi à mão a lona em alguns pontos que senti que precisava de reforço, e apliquei o forro com felling stitch.

Resultado final: 

kirtle por juliana lopes

    Bom...é um Kirtle, rs. Eu sinto que costurar toda a parte de cima na mão faria uma boa diferença, mas eu simplesmente não tinha tempo hábil para tanto. Mas fora isso, gostei bastante do resultado e principalmente do caimento que ele dá para a saia e o suporte pro busto.  

Partlet

Principais referências:

retratos renascentistas com partlets

    Ou coletti, na Italia. Era uma peça feita em linho, geralmente branca, para proteger do sol ou acrescentar modéstia aos trajes. Ironicamente, na região de Pisa, essa peça costumava cobrir apenas os ombros, deixando os seios ainda à mostra, rs. A partir da metade do século XVI as partlets passaram a ter a gola mais alta e decorações mais complexas, e foi em modelos assim que me inspirei. Não achei uma peça sobrevivente, então escolhi como principal referência um retrato da Eleonora di Toledo de 1549.

Molde e corte:

molde partlet

    Para o molde, busquei fontes secundárias, de outros recriadores. Eu basicamente tracei de forma bem simples um corpo nas minhas medidas, e desenhei os recortes do partlet por cima. O comprimento vai até abaixo dos seios, e a gola alta é cortada junto do restante da peça.  

Confecção: 

costura partlet I

    Aqui a parada foi complexa, rs. De materiais utilizei o voal e um soutache metalizado. Eu não queria lidar com o voal desfiando enquanto aplicava o soutache na mão, então resolvi primeiro fazer as aplicações para então cortar o tecido, o que foi infinitamente mais trabalhoso e desisti na metade do processo, rs. 

costura partlet I

    E então, quando cortei o molde, ainda tive que finalizar as bordas de um dos sentidos da fita e aplicar o outro sentido no tecido já cortado. O restante das costuras também fiz à mão, unindo ombros com costura francesa, finlizando as outras bordas com barra simples e então aplicando fitas de gorgurão nas bordas inferiores para fechar embaixo do braço. 

Resultado final: 

partlet por juliana lopes

    É uma das peças que mais gostei! Quando terminei fiquei curiosa pra saber como seria feito  a parte interna da gola, porque pelas pinturas parecia haver um revel mas não encontrei evidências desse tipo de técnica na época...mas ainda assim gostei do meu partlet com as costuras internas aparecendo. Acabou sendo uma das peças que mais me deu trabalho, mas acho que valeu a pena. 

conjunto renascentista por juliana lopes

    E assim consegui finalizar um conjunto inteiro de roupas de baixo renascentistas pra mim! Estou bem contente de iniciar em um novo período histórico, tendo as roupas de baixo agora fica mais fácil para fazer novos modelos. 

    O vestido principal que fiz para compor esse traje também já está finalizado, e será um dos próximos posts aqui no blog. Sintam-se livres para sugerir também novos temas! 

Até a próxima!


Fontes de pesquisa: 

Antiwerpen Dress, Morgan Donner
Corsets and Crinolines, Norah Waugh
Costuming for the lower and middle class, Claudia Laughter e Rydell Downward.
Patterns of fashion - The cut and Construction of clothes for men and women c1560-162, Janet Arnold
Turquoise Italian Working Dress Dress, Morgan Donner 
The Tudor Tailor: reconstructing 16th century dress, Ninya Mikhaila
The history of underclothes, C. Willett Cunnington, PhiIlis Cunnington
What lies beneath, Katerina 


domingo, 15 de maio de 2022

Ensaio fotográfico: Traje Brasilis

Juliana Lopes - moda do século XVIII

    Para registrar o resultado final do meu projeto do Traje Brasilis, fiz um ensaio fotográfico. Por conta da pandemia fiquei um bom tempo sem usar trajes históricos e fazer isso de novo foi uma experiência ótima! Fiz essas fotos com a Adrielle Girodo (https://www.instagram.com/adriellegirodofotografia/), cujo foco na fotografia também é o resgate de outras épocas, o que acho que combinou super! Sem mais delongas, seguem as fotos, espero que gostem: 

traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

juliana lopes traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

juliana lopes traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

juliana lopes traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

juliana lopes traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

juliana lopes traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

Também fotografei com a minha chemise a la reine, que eu já tinha por aqui: 

juliana lopes traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

juliana lopes traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

juliana lopes traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

juliana lopes traje brasilis - moda brasileira do século XVIII

 Adorei tando essas fotos que já fico ansiosa pra fazer mais um ensaio assim. Quem sabe em breve? 

Até a próxima! 

    Ps.: Peço que não compartilhem as fotos sem minha permissão, por favor. Mas caso deseje é só entrar em contato e referenciar a mim e a fotógrafa.


sábado, 15 de janeiro de 2022

Uma breve história da renda no ocidente

 "[as rendas] são muito mais que um fazer artesanal feminino desenvolvido ao longo dos séculos e culturas ocidentais. Elas são uma rica fonte de conhecimento, poesia e inspiração para inovação em vários campos, como os de têxteis, arte, arquitetura e design. " Vera Felippi

    Hoje as rendas são uma parte corriqueira do nosso vestuário e é possível encontrá-las facilmente em armarinhos, mas você já se perguntou como elas surgiram e se popularizaram? Hoje trago uma breve história de como a produção de renda se desenvolveu no ocidente. 

renda Cutwork italiano do século XVI
Cutwork italiano do século XVI

    Embora existam registros de trabalhos manuais como o bordado desde a antiguidade, o desenvolvimento da renda se deu a partir do século XV. Uma das primeiras técnicas para a sua produção consistia em bordar o tecido primeiramente e então recortá-lo em pontos estratégicos, formando um desenho vazado, conhecido em inglês como cutwork. 

    Assim que é desenvolvida a renda passa a aparecer no vestuário enfeitando roupas no lugar dos bordados ou complementando-os. Inicialmente, as principais técnicas eram a renda de agulha (que é feita a partir de um fio contínuo) e a de bilros (com os desenhos feitos a partir de vários fios). Os principais materiais utilizados inicialmente eram o linho, ouro e a seda. 


Detalhe de Venus, from the Seven Planets and ages of men, de Adriaen Collaert
Detalhe de Venus, from the Seven Planets and ages of men, de Adriaen Collaert

    Os primeiros países a desenvolverem esse tipo de renda são a França e Itália, mas a partir dos séculos XVI e XVII cada país desenvolve sua própria técnica para a produção de renda. Por exemplo, os conventos italianos eram os principais na produção de rendas de agulha. Já a Holanda tinha uma preferência maior pelas rendas que formavam os rufos. Alemanha e Inglaterra também eram grandes produtoras de na época. Desde o início, a produção de renda era muito associada às mulheres, que eram as principais responsáveis pelo desenvolvimento dos trabalhos manuais.


Punto in aria, que decoravam os rufos europeus no século XVI
 Punto in aria, que decoravam os rufos europeus no século XVI. Um único rufo poderia usar até 23 metros de renda. 

    No século XVII temos uma preferência ainda maior por rendas, que decoram as golas e punhos das roupas, principalmente. O seu uso era comum tanto por homem quanto por mulheres. Por ter uma produção extremamente demorada e intrincada, era a parte mais cara do vestuário e utilizada principalmente pela aristocracia. 


Detalhe de um retrato de George Villiers, o 1o duque de Buckingham
Detalhe de um retrato de George Villiers, o 1o duque de Buckingham

    A grande procura pelas rendas causou até mesmo o contrabando das mesmas, decorrente de proibições comerciais relacionadas à importação em países como a Inglaterra e a França. Existem vários registros no século XVIII de revistas de autoridades em procura de rendas contrabandeadas em casas, ateliês e até mesmo caixões!

    A Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1714) freou a produção de rendas em vários pontos dos países europeus, impactando a economia dos lugares em que a peça era uma commoditie importante, como a França. Após esse embate, a França voltou a utilizar as rendas na ornamentação dos vestidos e esse uso se manteve presente até o fim do século, quando ocorre a Revolução Francesa e a moda passa a ser mais simples, rejeitando ornamentos relacionados à nobreza.

    As rendas então caem em desuso até o início do século XIX, quando Napoleão ascende ao poder e passa a adornar suas roupas com rendas, popularizando alguns tipos, como a renda d'Aleçon

 

Renda d'aleçon
Renda d'aleçon

    No Brasil, a chegada de D. João VI em 1808 aumentou a demanda pela produção de rendas por conta do maior número de eventos sociais, que influenciaram a elite a fazer uso de peças de roupas mais elaboradas. A importação de renda francesa também era muito comum, assim como revistas de moda,  por onde mulheres da elite aprendiam as técnicas para produzir rendas manuais. O uso das rendas de bilros no país é antigo, mas não há muitos registros formais de quando ela passou a ser utilizada. O ensino das técnicas eram feito de forma informal, em casa, para as moças da família ou criadas. 

    A Revolução Industrial do século XIX traz também o início da produção de rendas produzidas de forma mecânica. A Inglaterra surge com uma máquina em 1808, a Bobbinet, que foi a primeira a utilizar fios de algodão. No início, essas máquinas produziam redes que eram ornamentadas à mão, mas posteriormente foram inventadas versões que também bordavam as rendas. Até rendas famosas por serem feitas à mão, como a Chantilly, passaram a ser produzidas também de forma industrial. 


tear de renda do século XIX
Tear de renda industrial do século XIX

    Essa mudança impactou diretamente as mulheres que produziam rendas manuais, que tiverem seus empregos ameaçados e seus salários diminuídos. Em contrapartida, essa maior produção facilitou o acesso às rendas por classes menos abastadas. 

    No fim do século XIX popularizam-se as rendas químicas, que eram produzidas com uma técnica em que o motivo é bordado em um tecido que posteriormente é removido com processos químicos, deixando somente o desenho vazado. 


Decote de renda vitoriano
Decote de renda vitoriano produzido a partir da técnica de renda química

    No início do século XX ocorre a Belle Époque, movimento artístico que impactou a moda europeia onde o uso de rendas era intenso no vestuário feminino. Após algumas décadas, ela é tida por fora de moda por alguns estilistas famosos e cai em desuso. 

    A  produção das rendas manuais é impactada peça I e II Guerra mundial, as Guerras Civis Espanholas e a Crise Financeira de 1929, eventos que também tiraram muitas mulheres dos lares para assumirem postos no mercado de trabalho. A partir disso, a renda manual se torna mais um ofício mais raro, utilizado como lazer.

    O século XX também traz as fibras sintéticas a partir da década de 1930s utilizados em teares como Raschel, que são utilizados até hoje na moda. 

renda raschel
Renda do tipo raschel 

    Espero que a leitura desse texto tenha despertado curiosidade acerca do assunto e que vocês tenham aprendido um pouco aqui. Pra quem quiser se aprofundar, recomendo fortemente os livros citados nas referências. 

    Fico à disposição para ler outras sugestões de temas pra coluna de história da moda aqui no blog, que outros assuntos você gostaria que eu abordasse nesse formato? 

Até! 

Principais referências: 

Decifrando rendas, Vera Felippi 

History of lace, Bury Palliser 

Lace, a Sumptuous history, SFO Museum