segunda-feira, 7 de julho de 2014

Contos fantásticos do século XIX.

    Seguindo a fórmula do meu post sobre contos do Oscar Wilde, uma pseudo resenha do Contos fantásticos do século XIX. Falando um pouco sobre o livro no geral e destacando alguns contos que mais me chamaram a atenção.



"O problema da realidade daquilo que se vê - coisas extraordinárias que talvez sejam alucinações projetadas por nossa mente; coisas habituais ocultem sob a aparência mais banal uma segunda natureza inquietante, misteriosa, aterradora - é a essência da literatura fantástica"


    Essa coletânea da Cia. das Letras com uma introdução e comentários antes dos contos de Ítalo Calvino (que eu recomendo que sejam lidos após a leitura dos mesmos, pra quem não gosta de spoiler) tem em suas 520 páginas 26 contos escritos no século XIX por autores de diversas nacionalidades, e eles estão divididos em dois grupos: O fantástico visionário e o O fantástico cotidiano. A tradução é feita por mais por mais de uma pessoa.

    Os contos nessa coletânea são (em ordem alfabética):
A morte amorosa, Theóphile Gautier; A história de Willie, o vagabundo, Walter Scott; A história do demoníaco Pacheco, Jan Potocki; A mão encantada, Gérard de Nerval; Amour Dure, Vernon Lee; A noite, Guy de Maupassant; A sombra, H. C. Andersen; A Vênus de Ille, Prosper Mérimée; Chickamauga, Ambrose Bierce; É de confundir!,; Auguste Villiers de I'Isle-Adam; Em terra de cego, Herbet G. Wells; O coração denunciador, Edgar Allan Poe; O demônio da garrafa, Robert Louis Stevenson; O espanta-diabo, Nikolai S. Leskov; O elixir da longa vida, Honoré de Balzac; O fantasma e o consertador de ossos, Joseph Sheridan Le Fanu; O Homem de Areia, E.T.A. Hoffmann; O jovem Goodman Brown; O nariz, Nokolai V. Gogol; O olho sem pálpebra, Philarète Chasles; Os amigos dos amigos, Henry James; Os buracos da máscara, Jean Lorrain; Os construtores de pontes, Rudyard Kipling; O Sinaleiro, Charles Dickens; O sonho, Ivan S. Turguêniev; Sortilégio de outono, Joseph von Eichendorff.


O fantástico visionário:

O Homem de Areia, E.T.A. Hoffmann

    Esse conto que começa de forma epistolar acompanha a história de Nataniel desde a sua infância, quando ele acha que um amigo de seu pai chamado Coppelius é o Homem de Areia, uma pessoa má que arranca os olhos das crianças, até a sua vida adulta quando ele viaja em função de seus estudos e conhece o Coppola, que se assemelha muito ao odioso Coppelius e acaba deixando-o perturbado. Em meio a tudo isso Nataniel conhece Olímpia, uma moça misteriosa e calada que abala seu coração mesmo ele estando noivo de Clara. O que eu mais gosto nesse conto é a atmosfera de terror que vai aumentando à medida que a lucidez de Nataniel começa a oscilar, e há um momento em que você não sabe em qual ponto de vista acreditar. 

O Nariz, Nokolai V. Gogol



  Com uma premissa no mínimo curiosa O Nariz é o conto do Gogol, um dos representantes da Rússia nessa coletânea, onde Kovalióv acorda um dia e percebe que seu nariz não está mais em seu rosto e pior, está andando pela cidade! Kovalióv por si só já é um personagem com ar cômico, com a sua mania de grandeza e vaidade, mas não é só isso que dá um ar de humor ao conto do homem que está procurando seu nariz perdido, o que acaba sendo um grande diferencial em um gênero onde os elementos sobrenaturais tendem ao horror.

A morte amorosa, Theóphile Gautier

    Esse conto escrito em 1836, Theóphile Gautier nos apresenta o esteriótipo da femme fatale personificado na Clarimonde, mulher misteriosa e sobrenatural que o jovem Romuald vê durante a cerimônia que o tornaria padre e acaba deixando-o transtornado durante várias semanas, fazendo inclusive com que ele fantasie sobre ela e passe a ter uma vida dupla. O que me chama a atenção nesse conto é justamente a vida dupla que o Romuald acaba levando, de pároco de dia e libertino à noite, e como em vários contos fantásticos, a linha entre a realidade, alucinação e fantasia não é bem definida. 

O fantástico cotidiano:

O coração denunciador, Edgar Allan Poe

   Acho que o nome de Poe já é o suficiente para dar a entender que algo é bom. Em apenas 5 páginas Poe consegue criar uma atmosfera de tensão e horror enquanto lemos o relato em primeira pessoa de um homem obsessivo que está à beira da loucura por causa de um velho, seu olho de abutre e as batidas de seu coração. Com um final surpreendente, diria que não é só um dos melhores contos dessa coletânea mas também um dos melhores que já li.

A noite, Guy de Maupassant

   Maupassant parece se aproveitar do medo do escuro, que é algo muitas vezes tido como infantil, para compor esse conto com ares de sobrenatural e horror onde um homem se encontra sozinho durante uma caminhada em Paris durante à noite. Com ótimas descrições, acaba sendo impossível não se sentir dentro dessa história.

Amour Dure, Vernon Lee

   Creio que esse conto tem um certo apelo para aqueles que são apaixonados por História. Nele, um estudante polonês chamado Spiridion conta em seu diário como em meio a suas pesquisas encontrou Medea da Carpi, mulher que viveu no século XVI cujo lema era "Amour dure - dure amour" ( amor que dura, amor cruel). Ao longo do conto vamos descobrindo mais da história dessa mulher enigmática e acompanhamos a crescente obsessão desse estudante por ela.

O demônio da garrafa, Robert Louis Stevenson

   Se assemelhando aos contos onde existe um gênio da lâmpada, Stevenson apresenta nesse conto um demônio que vive numa garrafa e concede pedidos ao seu dono sem um limite estabelecido e com apenas algumas regras: quem morrer enquanto possuir a garrafa terá sua alma condenada, e para se livrar dela é preciso que a venda por um preço menor que pagou. Keawe acaba comprando essa garrafa por cinquenta dólares e após realizar o seu desejo de ter uma bela casa a passa pra frente vendendo a garrafa para seu amigo. Mas mesmo com a sua bela casa e uma mulher que ele conhece e se apaixona, Keawe ainda tem um problema e resolve ir atrás da garrafa novamente para resolvê-lo. O Demônio da Garrafa é sem dúvidas uma ótima narrativa com suas reviravoltas e é uma daquelas histórias que faz o leitor refletir sobre o que faria se estivesse no lugar do personagem. Com certeza me fez gostar ainda mais do autor de O médico e o Monstro e sua escrita.

Em terra de cego, Herbet G. Wells


    Qualquer semelhança com "O ensaio sobre a cegueira", de Saramago, é mera coincidência. Nesse conto somos apresentados a uma vila isolada onde todos os habitantes são cegos a várias gerações, tendo assim desenvolvido muito bem os outros sentidos para que pudessem viver bem em sociedade. Essa sociedade desconhece o significado de palavras como 'ver' ou 'cego', e já não mais se lembra que um dia existiu ali pessoas que enxergavam ou que fora de seus limites existe um outro mundo. E eis que por um acaso um homem, que posteriormente é chamado de Bogotá, chega a essa vila quando cai de um penhasco e para sua surpresa percebe que é o único ali que enxerga e sabe o que há no mundo exterior. Decide então fazer valer o ditado "Em terra de cego, quem tem um olho é rei", nem que para isso tenha que usar a força. Com um ar filosófico e moral, Em terra de cego encerra com chave de outro essa coletânea.

    Contos fantásticos do século XIX é um livro mais que recomendado, que com certeza me fez colocar alguns autores numa lista mental de "levar em conta na próxima compra ou empréstimo de livro". Dou nota 4/5 a ele e fiquei com vontade de ler o Contos de horror do século XIX, outro livro da coleção listrada.

Um comentário:

  1. Sortilégio de Outono eu acabei lendo duas vezes mas ainda assim não gostei...por isso que não incluí na lista.

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